A Instalação Sursock seria formada por 7 painéis de concreto posicionados em forma de octógono. Os painéis são marcados por baixos-relevos, marcas visíveis de objetos ausentes, cujo efeito é de evidenciar a transitoriedade do objeto. Não se trata de uma presença baseada apenas em uma abstração de ordem subjetiva, mas sim em um corpo real, que deixou um testemunho de sua
passagem. SURSOCK aborda a noção de uma presença inicial, lembrança de um evento ou objeto que ali esteve em algum momento e por um certo tempo, ambos indefinidos, para a seguir desaparecer. O que resta é não apenas a memória de uma forma ou símbolo, mas também a marca de uma ação, gesto que foi capaz de materializar uma ideia ou desejo da artista.
A obra convida o visitante a entrar no espaço interno do octógono, a suspender o ritmo frenético da vida cotidiana e assim se transportar, subjetivamente, para algum ponto da sua própria história ou da do outro.
Sem restrição de público, idade, classe social, gênero ou condição física, SURSOCK proporciona uma vivência ao visitante, um escape do cotidiano. SURSOCK é nome de uma rua do Líbano que é de grande importância referencial para a artista, como local de vivências e memórias indeléveis. Por meio desse trabalho, há a evocação e inventário de um passado ainda e sempre impresso na espessura da existência. São presenças indiciais, inscritas em profundidade nas superfícies do agora, na aparente frieza do concreto e como seu cálido e necessário oposto. São cicatrizes que apontam ausência mas também o nexo e a força dessa reunião. Resiliência.
O octógono em que esses contornos fantasmais estão inscritos estabelece a simbologia de um convívio intimista, em tudo semelhante à atmosfera confessional que desborda das recordações pessoais ou das vivências compartilhadas, em grupo e reunião. Um espaço penetrável, poroso ao outro e aos acréscimos de entendimento possíveis quando nos dispomos a
perceber o que nos é diverso e, curiosamente, próximo. O nomadismo, o deslocamento e o gradual aculturamento a outras
realidades e geografias, aponta o trabalho de Nicole Mouracade, só se estabelece na medida em que consegue convocar a memória como estrutura e célula indicativa do que precisa ser construído no entorno desse núcleo de identidade, inamovível mas também, em igual medida, estruturante.
SURSOCK é uma instalação que aborda a memória feminina. Feitas de cimento as paredes de memórias sutis de um universo, por
essência, feminino, remetem ao lar, ao aconchego, à firmeza historicamente reconhecida como o alicerce de uma casa. Um móvel imóvel registrado, entalhados nas paredes de um octógono, feito da mesma matéria da cidade em que vivemos. Matéria dominante do espaço construído pelo homem, viril, conquistador.
A instalação propõe uma intervenção, uma ruptura no cotidiano frenético dos grandes centros urbanos possibilitando o resgate do feminino em cada um de nós. É a busca dessa essência, através da memória e da delicadeza que esta obra criada, desenvolvida, produzida e realizada por mulheres, deseja resgatar. No interior da obra, monumental e impactante, a memória do espectador é
reativada pelo sutil registro do que ali esteve transportando-o de uma zona cinza para o imaginário do acolhimento materno. Sua origem, naquele instante, se fortalece e sua humanidade se reestabelece. Como disse Marcel Duchamp "Ce n'est pas une époque d'oeuvres achevées. C'est une époque de fragments." Trad: “não é uma época de obras acabadas. É uma época de fragmentos.”
SURSOCK movimenta fragmentos e reafirma, nas paredes internas de cada um, o que passou e cria para si um museu de afetos.
A obra foi idealizada por uma artista que tem em sua origem a herança de fortes registros de feminilidade e submissão, de contradição entre riqueza e cárcere. Ela representa a possibilidade de transmutação através da memória, equilibrando a delicadeza da alma com a realidade dura e concreta.
